quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Todo mundo um dia tem que sofrer de amor.


Chico viveu longos e invejáveis noventa e três anos e pediu para que antes de deixar sua lição valiosa aos mais novos, contasse um pouco de suas peripécias e seus pecados.
Chico, Seu Chico, Velho pai… Esse homem tinha muitos nomes! Ah. E muitas facetas. Foi estudante de medicina! Medicina, moleque, veja só. Se já não é pra qualquer um atualmente que dirá naquela época de mil novecentos e antigamente… Fez três anos e logo se cansou, tá aí um dos piores defeitos do velho: o medo de ser grande. Mas foi, mesmo não sabendo. Foi sendo, sendo grande. Depois de largar da faculdade foi marceneiro, pedreiro e até dono de mercearia. E então amou. Quase chegando ao quarenta - tardiamente, eu diria… - descobriu o tal amor. Helena das Rosas foi uma moça que ele conheceu no parque num de seus quase ridículos rituais de tomar sorvete de casquinha às quatro. Das Rosas não era sobrenome, era apelido que Seu Chico tratou de dar por causa da incrível semelhança entre Helena e as tais tão delicadas rosas cor-de-chá. 
Sucederam-se dias de digna brilhantina. Bailes, noitadas e muitas flores. Logo compraram um apartamento que tinha um baita varandão e até que foram felizes. Daí ela engravidou. Mas como assim engravidar? Deus! Havia tantas coisas a experimentar… Tantas músicas a ouvir, tantos lugares a ir e bocas a beijar. E agora? Hein?! O que fazer? Até que o velho safado pretendia sugerir o tal aborto, mas quando se tocou no assunto a ilustre Dona Helena pôs o quase velho Chico pra fora sem pensar duas vezes. Para ele o único erro sem correção era o casamento e por mais que amasse Helena, não cometeria o erro de seus pais: fadar-se a um sofrimento evitável. 
Resumo: amava, mas não casou-se. Ideia fixa, sem direito a discussão. Pegou suas coisas e sumiu no Mundo. Foi à bela Paris, conheceu Suzette, fez amor como um louco degenerado e quando o Sol raiou, foi-se. Partiu da cama da que não era nenhuma dama, mas sim, era francesa. Vezenquando ele até pensava na pinta que ela tinha no canto da boca, no sorriso de batom vermelho e os seios fartos, mas não havia de ser nenhum sentimento. Apenas promiscuidade. Foi à Roma porque tinha boca e uma conta bancária recheada, sucessivamente foi à Londres, à Argentina, à Madri, Nova Iorque e retornou à Rua Nascimento Silva, número cujo o qual não consigo recordar-me agora, onde ainda possuía um belíssimo apartamento que herdou dos pais. Instalou-se, olhou pela janela que praticamente o engolia e sentiu falta de ter alguém para quem voltar.
Conheceu Suzette, Annelise, Aimée, Joane, Carolina e nunca esqueceu-se de Helena. Nenhuma foi como ela e a nenhuma tocou como costumava tocar nela. Chico foi um velho que levou a vida na brincadeira e deu significado à malandragem. Ia à praia, visitava Museus e finalmente voltava ao jardim onde conheceu Helena: O botânico. Tudo lembrava ela, até - de uma forma boa - as árvores milenares plantadas ali. E sentiu falta das rosas. Desde que a abandonou, passaram-se longos e bem vividos dezessete anos. E então num dia primaverino resolveu procurá-la e saber do tal filho que quando soube ainda era “feto-nada-desenvolvido” - como disse justificando-se à Helena na saída -.
Foi lá e acertou. Ainda continuava a morar no apartamento que chamavam de “deles”. Lembro-me dele falar que tocou a campainha e um moço bonito, de quase vinte anos atendeu. Pensou logo o pior: Helena arranjou um namorado melhor e mais jovem que desse a ela o amor e carinho que merecia. Mas mesmo assim insistiu, perguntando:
_Helena está?
_Boas tardes ao senhor também! Está a repousar.
_Pois bem. Eu espero.
Foi empurrando a porta e sentando no sofá… E é claro, ela não estava repousando. Estava logo ali, sentada a beira da sacada, olhando o mar. Empurrou o menino e gritou:
_Helena!
Olhou para trás e sei que me reconhecia, mas eu não sabia mais quem ela era. Só via rancor. A aparência de rosa a deixou ou no mais, foi abandonada. Deixada de lado. Perdeu o controle e só fazia chorar. E chorou. Chorou, chorou e chorou. Sei dizer que eles se abraçaram e ela possivelmente o perdoou, mas entre eles nada mais houve. Apresentou-me então Dona Helena assim:
_Aqui, Francisco. Este aí é o nosso filho.
Fiquei pasmo. Raiva, dor, curiosidade. E saudade! Eu nutria uma saudade dele que era quase descomunal… As palavras certas tive a dizer:
_Eis aqui o feto-nada-desenvolvido que abandonastes sem pudor. Viveu? Não, não tenho dúvidas. E matou também. Matou toda a felicidade de uma moça inocente. Desprazer em te conhecer, Seu Chico!
Minha mãe ficou pálida. Óbvio que agora o velho Chico sabia quem eu era e sabia também que ela não havia retido a história dolorida a suas meras lembranças. Ele pediu licença e saiu ligeiro. As lágrimas dele pareciam doloridas e verdadeiras, mas não me importavam naquela hora. Nunca mais o vimos até que um dia recebi um pedido para que fosse visitá-lo as pressas pois o velho estava à beira da morte… Quase arrependido, fui.
No leito de morte, aprendi a maior de todas as lições. Ele pediu para que eu ficasse quieto e disse sem piscar:
_Amei de verdade a senhora-sua-mãe, amei com um amor maior que eu. Um amor que não soube administrar. Perdoe-me pelos erros. Por favor, ceda-me o perdão para que eu possa ir para o céu. Dizem que lá é bom e não quero sofrer depois da vida. Oh não! E tome como a única lição que este velho safado vai te ensinar: “todo mundo um dia tem que sofrer de amor.” É isso mesmo. Ninguém está isento. Mas interprete certo o que eu disse: todo mundo um dia tem que sofrer de amor e não por amor, porque por amor a gente sofre todos os dias, mas pra sofrer por ele é preciso nutrir-lo, criá-lo, encontrá-lo. Não precisa buscar incessantemente por amor, ele te encontra. Só não o deixe ir embora, menino. Avise a dona Helena que vivi tudo o que tinha direito e nunca fiz amor como fiz com ela. 
E em seu último suspiro, repetiu:
“Todo mundo um dia tem que sofrer de amor e não por amor, porque por amor a gente sofre todos os dias, mas pra sofrer por ele é preciso nutrir-lo, criá-lo, encontrá-lo.

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