terça-feira, 21 de agosto de 2012

Só eu mesma posso salvar minha alma, Francisco, e por você escolhi não salvar.


Aprendi a diferença entre estar pronta e se sentir pronta e só então pude começar a escrever sobre você, sobre o que foi, o que é e o que sempre será. Fui aos poucos substituindo dores eternas por outras mais tênues, fui substituindo as lembranças tristes por outras bonitas e singelas. Tirei suas fotos dos porta-retratos e deixei de falar o teu nome tantas vezes por dia. Com o passar dos meses eu fui parando de discar seu número, de escrever-lhe cartas que provavelmente nunca enviaria, de reviver tudo o que vivemos juntos procurando onde foi que errei. Com o tempo eu fui aprendendo a te deixar seguir e mesmo sem saber, segui também. Você conheceu gente nova, foi aos lugares que eram nossas e gravou outras lembranças, ouviu nossas músicas na companhia de outra. Você trocou meu beijo, meu cheiro, o som da minha voz… Você se sentiu pronto para seguir sem mim e eu me fiz pronta para seguir por você.

No tempo que se passou, meu batom carmesim fez-se intacto em meus lábios macios e ninguém tirou a renda que cobria os meus seios para tocá-los. Lembro-me de ter me feito tua, irremediavelmente tua, e essa foi a promessa que selei com o nosso amor. Meu amor me tombou a uma ingenuidade delirante e nem em meus mais profundos abismos me enxerguei sem você. Teus olhos acendiam os meus, que hoje cinzentos, são o mausoléu desta alma que se fez tua.

Não deixei de viver, mas por vezes e vezes desejei que meu coração parasse de pulsar. Eu quis sim, confesso, simplesmente parar de respirar. Murmurei, esbravejei, repudiei os céus por tua partida. Culpei santos, demônios e até entidades inteiras por uma escolha que na verdade foi tua, só tua. Ninguém quis me salvar, ninguém entendeu minha dor. Só eu podia salvar minha alma e te digo que não quis.

O relógio já marcava três da manhã e sozinha no breu da madrugada, me peguei vendo meu sangue escorrer pela lâmina afiada que eu corria pelo corpo. Fiz questão de afiá-la para ter certeza que se não me matasse, me marcaria para sempre. Corri a lâmina por minha gélida e pálida pele, minhas veias sobressaiam sob minha pele branca. Num dia qualquer prendi a respiração e senti a vida pulsar no meu pescoço, passei a lâmina e o sangue banhou os seios onde teus lábios um dia se deleitaram; não havia arrependimento nem medo, nem dor. Nada havia. Esperei perder todo o sangue do corpo e provavelmente devo ter desmaiado de tão fraco que meu corpo se fazia. Acordei debruçada sobre os lençóis manchados muitas horas depois e pelo corte podia ver a veia ainda pulsar. Era vida. Não te liguei nem escrevi mais, morri naquele dia. Arranquei minha alma e a vendi pelo preço do meu sangue.

Sou hoje um corpo vazio que perambula cambaleante pelos caminhos tortuosos do mundo. A vida me escolheu, Francisco. Eu não escolhi nada, nem pela minha morte pude optar. Achei que seria incapaz de ouvir tua voz sem me desfazer por dentro, mas o que eu tinha de bom, você arrancou. Meu coração jaz aqui dentro deste peito e não pulsa mais, apenas tosse - doente -. Enterrei meu amor, minha vida, minha alma e me fiz pronta para seguir. Isso não é para você, mas sim por você. Fiz-me forte e até aqui cheguei, me tornei assassina da minha fé e amor nem sei mais o que é. Eu me permiti te amar e escolhi não salvar a minha alma.

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